sábado

Segredo e visibilidade. Tradição e transmissão.

Os preceitos básicos da tecelagem mantêm-se os mesmos desde os tempos pré-históricos até os nossos dias. Entretanto, para que uma técnica sobreviva, é necessário que circule.
Tudo que se transmite repetidamente é tradição.
Desde que o homem subsitituiu peles de animais por trançados, a tecelagem nos acompanha em todos os cantos do mundo.

No Brasil, os escravizados trouxeram seus teares de dois pedais entre a parca bagagem. Em certas regiões de Minas Gerais, os europeus introduziram a técnica de quatro pedais a seu modo: ensinando a repetir sem criar, por meio de "receitas".

Os índios produziam complexos padrões apenas repetindo os mais velhos. A base da permanência da tecelagem no Brasil está calcada na oralidade e, consequentemente, na observação direta e na memória.
A repetição de padrões garante a unidade do grupo e o pertencimento do indivíduo. Importante é repetir exatamente igual aos antepassados, depositários do conhecimento e responsáveis por sua permanência.
A autoria e a inovação, entretanto, objetivam distinguir um indivíduo em relação aos demais, singularizando-os. O "novo" é uma obsessão em nossa sociedade.

A partir destas premissas, muito temos a refletir sobre o segredo e a visibilidade. Quando ensinar? Quando manter em segredo? Quem merece saber? De quem devemos esconder?
Separar o que merece permanecer do que não merece é uma instância de consagração bastante visível na seleção de conteúdos programáticos de instituições de ensino, na seleção de conteúdos da mídia, na seleção de obras que "merecem" ocupar espaço em museus.

A Tecelagem Manual, a cestaria, as artes praticadas pelo povo, enfim, tudo que não é enquadrado pelo olhar eurocêntrico da História da Arte, tal como nos é apresentada à primeira vista, são práticas abarcadas pela Antropologia, pela Cultura Popular, pelo "folclore".
As distinções entre os termos artesanato e arte são questões debatidas exaustivamente nos meios acadêmicos.

A Tecelagem Manual também é vista como "terapia", assim como o canto, a dança, o riso, o beijo, enfim, tudo que os rituais que perdemos levaram consigo.
Neste momento, diversos grupos "inventam" novos rituais de casamento, de batismo, de velórios, de passagens.

A globalização, a internet, a facilidade de fazer contatos, divulgar, mostrar imagens num tempo mínimo facilita a transmissão da técnica, a troca de informações. Mas conhecimento e informação são categorias bastantes distintas. A transmissão da arte de tecer mantém os mesmos atributos quando baixamos um vídeo pela Internet e quando nos reunimos numa deliciosa conversa "fiada" para observar e fixar na memória?

Quantos, neste momento, estão conectados pelo computador ao mundo inteiro, sozinhos em seus apartamentos? Como dosar a aquisição desenfreada de informações e o contato com o silêncio do outro?

A tecelagem pode nos ensinar a curtir melhor a solidão voluntária?
A tecelagem nos separa do "mundo"?

Tecer trazendo no coração todas estas perguntas é muito mais que produzir objetos de uso como tapetes e tecidos.